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26 de outubro de 2015

PINCELADAS SURREALISTAS: EXPOSIÇÃO DE JOAN MIRÓ NO ESPAÇO CULTURAL DO PALÁCIO ANCHIETA


"A última vez que Joan saiu para passear pelo jardim de Son Abrines, mal podia andar. Auxiliado por David, seu neto preferido, e por Josefina, a esposa de David, desceu com grande dificuldade as escadas que conduziram à esplanada inferior e ali se deteve a contemplar o mar. Eu observara, desolado, sua silhueta erguida a duras penas. Os frágeis cabelos desgrenhados davam ao crânio nevado um ar austero e digno. Aproximei-me para observar seu rosto. Seus olhos azuis, sonhadores e profundos como sempre, observavam as águas com expressão de assombro. Passamos vários minutos em silêncio até que Joan ergueu os braços apontando o mar e sussurrou para si mesmo um 'Ah! Que pena!'. Tinha um ar de adeus. Então, sem pressa e brincando, voltamos até a casa e, no umbral, me despedi. Eu apenas consegui balbuciar um 'até logo'. Ele ficou me olhando alguns instantes. Foi a última vez que vi Miró". (Depoimento de Alfredo Melgar, fotógrafo, colecionador e curador da exposição "A Magia de Miró, que durante aproximadamente quarenta anos acompanhou a intimidade artística do mestre surrealista).

Ampliar o olhar, a partir da arte, possibilita o desvendar de outros mundos. O surrealismo do catalão Joan Miró (1893-1983), visita a cidade de Vitória, com a exposição "A Magia de Miró", disponível ao público, até o dia 15 de novembro, no Espaço Cultural do Palácio Anchieta. A mostra é composta por um conjunto de 69 obras, entre desenhos, gravuras e aquarelas, produzidas entre os anos de 1962 e 1983, além de 23 fotografias em preto e branco, do artista surrealista, registradas pelas lentes de Alfredo Melgar, revelando um Miró descontraído, em pleno processo de criação, em seu ateliê. 

Todas as obras expostas fazem parte do acervo particular de Alfredo Melgar, o conde de Villamonte, um dos maiores colecionadores de obras de arte da Espanha. A exposição remete ao processo criativo do artista que pintou e desenhou sobre qualquer superfície que permitisse exibir sua criatividade e conhecimento. O resultado é o traço colorido e inconfundível do gênio do surrealismo, que buscava a máxima intensidade com o mínimo de esforço, como as pinturas feitas com cores primárias, aliadas ao uso de espaços vazios. "São obras dos vinte últimos anos da produção. Não são as únicas que Melgar tem dele. A seleção reflete o gosto pessoal de Melgar em sua relação de amizade com Joan Miró", assinala Denise Carvalho, produtora executiva da Mostra. Phill Reginaldo Gomes, responsável pela exposição "A Magia de Miró" no Brasil, destaca que o artista "tinha o costume de transformar em arte tudo aquilo que ganhava. Se ele ganhasse um presente, o próprio papel que embrulhava aquele presente servia como obra". 


Joan Miró foi um artista da linguagem, um libertare. Pintor, escultor, ceramista e gravurista de obras significativas no cenário internacional e atemporal da arte, tornou-se um dos mais renomados artistas da história da Arte Moderna. Estudou com Francisco Galí, que o apresentou às escolas de arte de Paris. Realizou uma passagem por conceitos elaborados a partir dos traços infantis. Miró tinha na diversidade de materiais e superfícies um aliado para dar vazão ao seu universo onírico e surreal. "Graças a Miró, a pintura juntou-se ao reino da poesia", afirma a historiadora da arte Janis Mink, autora de "Miró" (Editora Taschen). "Foi um pintor visionário que, diferentemente dos colegas, tentava levar uma vida de operário com família para sustentar", ressalta. 

Joan Miró falava pouco. Expoentes da vanguarda moderna se irritavam com a abstinência do catalão nos debates políticos durante o nascimento de movimentos artísticos da primeira metade do século XX. Miró buscava uma arte que traduzisse o que estava além das questões do mundo e para isso (repetia sempre que lhe perguntavam) precisava de silêncio. Assim, enquanto os artistas espanhóis marchavam em fuga para a capital da modernidade, Miró refugiava-se no interior rural da Catalunha, nas terras da família, que olhava sua escolha profissional como um "mau caminho". Desses retiros, nasceram obras-chave de sua trajetória, como a tela "A Quinta" (1921-1922), comprada por Ernest Hemingway.

O exercício de Miró, participante da primeiríssima geração de surrealistas, era semelhante ao de Leonardo Da Vinci. Ele queria que sua arte não se ativesse a correntes e caminhos, para que pudesse trazer algo verdadeiramente novo para o mundo. "Como é que encontrava todas as minhas ideias para quadros? Pois bem, à noite, já tarde, voltava ao meu ateliê na rua Blomet e deitava, às vezes, sem sequer ter jantado. Tinha sensações que anotava no meu caderno. Via aparecer formas no meu teto". 



Na década de 1970, o espanhol Alfredo Melgar Alexandre teve oportunidade de ter contato com o artista catalão Joan Miró, num momento em que sua obra já era reconhecida mundialmente e que tinha encontrado uma linguagem de símbolos e grafismos, referências universais das possibilidades lúdicas das artes plásticas. Miró o convidou a visitar seu estúdio em Palma de Mallorca quando soube que ele era um "excelente fotógrafo". "Eu tinha menos de 30 anos, minha obra fotográfica era escassa e não estava à altura das palavras de Miró. Na obervação de Melgar, Miró era a imagem da "sobriedade, da ordem, do trabalho e da disciplina típicos dos que vêm da Catalunha", um contraste com a boemia, os romances e a iconoclastia que tomavam conta de Paris.


Imagem do estúdio em Palma de Mallorca, o último endereço do pintor,
em retrato realizado em 1980, pelo colecionador e amigo Alfredo Melgar.

SERVIÇO
Exposição "A Magia de Miró"
Até 15 de novembro de 2015
Espaço Cultural do Palácio Anchieta - Praça João Clímaco, Cidade Alta | Vitória
De terça a sexta, das 9 às 17 horas. Sábados, domingos e feriados, das 9 às 16 horas
Entrada franca

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