Powered By Blogger

HISTÓRIA

TEMPO E MEMÓRIA




QUAL ESPÍRITO SANTO?
"O português não descobriu o Espírito Santo, que ainda não existia com nome e configuração portuguesas, mas conformou este território aos seus desígnios e interesses. [...] O colonizador, presente neste lugar durante trezentos anos, não comemorava sua chegada, o que hoje se denomina de Colonização do Solo Espírito-santense. A necessidade de se marcar a data (tomada como natalício da terra) vai surgir depois de encerrado o período colonial, quando as elites provinciais, e depois estaduais, buscam formas de se legitimar no poder e controlar a população através de um civismo formal [...].

Já que existem efemérides e comemorações oficiais, devemos sugerir, apesar delas, alguns temas para reflexão tendo como elemento comum a pergunta: qual é, para nós capixabas, o principal sentido de tudo o que foi feito nestas terras, da época dos portugueses aos dias atuais? Existe uma resposta mais ou menos evidente para os que fazem do estudo da história espírito-santense uma atividade profissional - as grandes decisões que sempre presidiram o destino capixaba foram tomadas para atender aos interesses de grupos e pessoas que vivem longe daqui. Em outras palavras: o Espírito Santo sempre se constituiu numa área periférica, situada em um território dependente - a margem da margem. Do colonialismo português ao neocolonialismo atual existe uma distância - nem tão grande assim - que separa, por exemplo, a montagem de uma empresa colonial exportadora, iniciada por Vasco Fernandes Coutinho ao funcionamento da Companhia Siderúrgica de Tubarão, empresa neocolonial que deve produzir a custos baixos e vender a preços vis. Se tais empresas representam diferentes momentos históricos, elas têm em comum o fato de que decisões tomadas em longes terras (antes Portugal, agora Japão e Itália) condicionam toda a vida e toda a obra dos capixabas. Porque o mais que aconteceu e acontece é consequência destas realidades coloniais e neocoloniais maiores. Toda a economia, toda a sociedade e quase toda a política estão direcionadas para manter e produzir esta situação. Então, falar de arte e cultura, ou de estética e moral, de transportes e urbanização, ou de água e luz, de saúde e educação, ou de segurança pública e abastecimento, de justiça e ética, de imprensa e lazer e de outros aspectos de nossa vida fica sem sentido se não colocarmos nossas reflexões fundamentadas no contexto maior antes referido. A história está sempre sendo escrita e reescrita, o que, além de saudável, é indispensável. Quem cria e recria constantemente a interpretação histórica são as sucessivas gerações descobrindo novos temas, novas abordagens, de acordo com seus interesses e ideias [...]. Muito pouco ainda se conhece sobre a existência dos habitantes originais desta região por duas razões - não há interesse em se pesquisar este tema, e os poucos estudos existentes têm divulgação restrita. As populações indígenas aqui encontradas pelo colonizador receberam, em resumo, dois tipos de tratamento - eliminação rápida ou eliminação lenta. Do índio pode-se dizer, neste contexto  e sem conotação desrespeitosa, o que se diz de um vegetal (o coqueiro) ou de um animal (o boi) - dele tudo se aproveita. O colonizador aproveitou tudo do índio. Suas terras para moradia e implantação de estabelecimentos econômicos; seu suor para movimentar a economia, construir igrejas, fortalezas, casas, estradas, pontes e cidades; sua comida (a mandioca, os peixes) para sustento; suas mulheres para reprodução; seus conhecimentos para dominar a terra e se apropriar das plantas e animais; sua força numérica para defesa contra os inimigos americanos ou europeus; sua música, sua língua, seus hábitos para melhor neutralizar os próprios nativos; e, enfim, sua morte para desocupar o território e dar exemplo aos demais indígenas [...]. De forma a tornar mais inteligível nossa história, é importante enxergar com a maior nitidez possível, sem pieguices ou ilusões, este processo histórico em que milhares e milhares de seres humanos foram eliminados por representarem um empecilho à dominação portuguesa [...].

No campo das ideias predominou a ideologia cristã com diversas variações e modificações. Durante todo o período colonial, que não foi tão uniforme nem tão estático como querem alguns pesquisadores, a repressão portuguesa foi feroz e constante. A publicação de livros e periódicos era proibida e a grande massa da população, mantida ignorante e embrutecida, não tinha acesso à leitura. Os poucos livros que circulavam eram severamente controlados pelas autoridades civis e eclesiásticas. Produziam-se escritos de inspiração religiosa e laudatória, elaborados por padres, na maioria dos casos. No entanto, as manifestações artísticas, produtos de seu tempo, sempre estiveram presentes no Espírito Santo. O colonizador, principalmente nas atividades ligadas à religião, utilizou as artes como um importante instrumento de aculturação dos habitantes da capitania. A arquitetura dos templos, os autos frequentemente representados dentro das igrejas ou em seus adros, as festas religiosas, os cânticos, as pinturas e esculturas retratando motivos sacros - é a arte posta a serviço dos interesses daquela elite dominante. A arte feita pelo povo e produzida fora dos padrões consagrados pelo dominador era considerada inferior e desprezada [...]. A economia colonial é mercantilista, escravista e de acumulação externa. A produção econômica aparece sempre como desdobramento da circulação de mercadorias, passando de predatória para sistemática e assumindo o caráter especializado para complementar a produção dos países centrais com especiarias, produtos tropicais, metais nobres [...]. Todo este economês, no caso do escravo africano, pode ser assim resumido - é o tráfico negreiro que explica a existência da escravidão negra na colônia, e não o contrário [...]. Era muito grande o grau de repressão necessário para se manter todo um edifício social com base no escravismo. Aos escravos e descendentes, com suas vidas estritamente vigiadas e controladas, não se permitia o pleno desabrochar de seus quereres e saberes. Intrinsecamente violento caracteriza-se este transplante de milhares e milhares de pessoas de um determinado contexto social e sua inserção nos campos e nas vilas espírito-santenses. Os africanos tiveram grande parte de sua cultura reprimida e desarticulada; os dominadores, contudo, não lograram destruir totalmente estes povos e suas criações culturais. Apesar de toda repressão, os nativos no território espírito-santense passaram boa parte de suas práticas de vida para os demais capixabas [...].  A importação deliberada de mão-de-obra européia para o trabalho nas lavouras de nossa província e de nosso Estado deveu-se, em primeiro lugar, a uma política de substituição do trabalho escravo livre. Os imigrantes, em sua maior parte, foram instalados em colônias do governo; muitos deles trabalharam depois, em troca de baixa remuneração, nas fazendas. Aos recém-chegados eram destinadas terras devolutas ou terras particulares desapropriadas.

De tudo o que se falou do passado capixaba, originou-se uma sociedade que agora vem sendo urbanizada compulsoriamente, o povo sem êxodo, tangido do campo pela miséria. [...] Destruir um povo é destruir sua cultura. No Espírito Santo, bendito o pluralismo de nossas etnias formadoras, que nos confere flexibilidade de espírito [...]. As decisões fundamentais da história capixaba quase sempre foram tomadas para beneficiar, em primeiro lugar, o não-capixaba. O autoritarismo - marca registrada dos governantes portugueses e brasileiros - só agora começa a ser superado. As elites, sobretudo as econômicas, continuam voltadas para fora do Espírito Santo, onde estão seus interesses de classe. [...] Na arte, na cultura, na atividade profissional, no lazer, tudo o que é feito em nossa vida cotidiana está submetido a este fato - somos um povo sem plena autonomia. No entanto, a história nos mostra os caminhos. E agora podemos os capixabas dizer a nós mesmos - que não estamos obrigados a reproduzir indefinidamente este modelo de sociedade; [...] que a vida é mutável; que sabemos da riqueza cultural a nós legada pelos nossos antepassados; e, que as questões negativas (poluição, desigualdade social, miséria, fome, ignorância, doenças) podem e devem ser enfrentadas".
FERNANDO ACHIAMÉ | Jornal A Tribuna, 1987


POR QUE SOMOS CAPIXABAS?
"Tema velho - mais ainda não de todo esgotado é o que tenta explicar a razão por que o termo tupi CAPIXABA passou a designar a pessoa que nasce em Vitória ou no Espírito Santo. O problema continua na pauta das discussões como o prova o interessante estudo do ilustre escritor Menezes de Oliva - 'Por que se diz capixaba a todo aquele que nasce no Espírito Santo e mais particularmente em Vitória?', inserido no seu livro Você sabe por quê? (Laemmert Ltda., Rio, 1962, p. 89/92). Em atenção ao culto do professor baiano que, em carta, me instiga e anima a dizer algo a respeito do assunto, ouso meter a minha colher de estanho, ao menos para lembrar aos leitores o que, sobre o tema, se tem dito e escrito. A dificuldade começa na tradução ou equivalência do vocábulo: que quer, realmente, dizer CAPIXABA? Os tupinólogos de nota e fama e os que se interessam pela língua (ou linguas) dos nossos silvícolas não acertaram entre si uma opinião concorde ou pacífica. [...] Não importa aqui o registro dos dicionaristas [...] que se cingiram, quase sempre, a repetir uns aos outros [...]. Temos, assim, que capixaba pode ser: quinta, roça, roçado, derrubada ou limpa, plantação de milho, roceiro, lavrador, agricultor [...].

Mas o que, realmente, aqui mais nos importa é sabermos por que razão capixaba passou a designar o nascido em Vitória ou no Espírito Santo. Vamos ver que, também nesse caso, as opiniões divergem. Capixaba - dizem alguns autores - era o nome de um sítio (lavoura ou roça de milho e feijão), outrora localizado 'ao sudeste da ilha [Vila-Nova da Vitória] em São João das Pedreiras', e os índios ali aldeados apelidados - capichabas' (cf. Antônio Francisco de Ataíde, revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, v.9, 1935, p.4). Dele - dizem esses entendidos - é que provém o termo capixaba, extensivo a todos os nascidos em Vitória. Há, porém, outra opinião (talvez ligada à primeira, da qual se desviou com o decorrer dos tempos): segundo alguns entendidos, a nascente, a fonte ou as águas da Capixaba é que fluiu, além da boa, cristalina e saborosa água, o nome com que se batizaram todos os que nasceram (e nascerão) nas terras do Espírito Santo".
GUILHERME SANTOS NEVES | Jornal A Gazeta, 1963


VITÓRIA: CIDADE-PRESÉPIO
Cidade-presépio, codinome atribuído à Vitória, no início do século XX, pelo jornalista Aerobaldo Léllis é captado pelo escritor, Peter Ribon Monteiro, em seu livro Vitória: Cidade e presépio, como o "mote para destacar a cidade dentre outras e, com isso, torná-la identificável, ao ressaltar sua qualidade sui generis". Em sua obra, Monteiro revela os motivos que justificam o codinome atribuído a cidade de Vitória, assinalando que 'o aconchego conferido ao pequeno núcleo urbano entre as montanhas de um Maciço Central e as águas de uma baía, que se apresentava ali como um braço de mar em canal, transmitiam, ao mesmo tempo, a modéstia da manjedoura, mas também a majestade sacralizada e implícita ao presépio natalino. Entrecruzando, então, o construído e o que ainda se apresentava como o natural, é tecida uma abordagem tão ampla quanto o panorama geofísico inicialmente apresentado, a qual situou no Brasil, entre montanhas e praias, o lugar do Espírito Santo e de sua capital'. A referência à manjedoura dada à capital capixaba se tornou oficialmente adotada no início do século XX, quando a cidade, após um grande período desprovida de sensíveis mudanças urbanas (como consequência direta da estagnação gerada pela fase de mineração iniciada no século XVIII), teve seu perfil significativamente alterado por sucessivas intervenções, com o propósito de dar fim ao atraso em que se encontrava a antiga vila colonial. Embora Vitória ainda hoje seja assim conhecida, para muitos a Cidade-Presépio refere-se apenas àquela cidade onde vigorou o estilo eclético nas construções e que, ainda limitada à parte do que hoje conhecemos por sua região central, harmonizava-se ao seu sítio geográfico natural. Entretanto, por volta dos anos 60 do século passado, junto aos primeiros impactos do intenso processo de urbanização que se verificou nas principais cidades de todo o país, surge então a chamada Vitória Moderna, quando a capital capixaba, estendendo-se além da região em que se encontrou durante quase 300 anos, passa a ocupar o restante dos seus limites.

Voltando-se à evolução urbana da cidade de Vitória, constatamos que, de fato, três períodos distintos compõem a história da cidade que se construiu sobre a natureza do presépio: um primeiro, que se verificou desde o século XVI até o final do século XIX; um segundo, ocorrido entre os anos de 1892 e 1929, dentre o qual surge o apelido Cidade-Presépio; e um terceiro, que se deu a partir da década de 30 do século passado. Como resultado disso, verificamos a existência de três paisagens marcantes, cada qual representada por características particulares que refletem eventuais fases de crescimento, apogeu e crise, num processo contínuo de formação e conformação da identidade visual de Vitória".  

I PERÍODO
A PRÉ CIDADE-PRESÉPIO: IGREJAS, FORTES E CAIS

"Durante quase 300 anos, Vitória ficou circunscrita à colina histórica conhecida como Cidade Alta, cenário principal da pré Cidade-Presépio. Foi este pequeno e limitado sítio particular que, logo substituído a desprotegida Vila Velha, cidade vizinha que teve brevíssima existência como capital, assegurou a sobrevivência da nova sede e de toda a capitania do Espírito Santo, graças a seu desenho natural de defesa. Apesar de tal resistência, porém, a capital capixaba sofreria ainda com o fracasso de suas lavouras e o desinteresse dos donatários, isso tudo a tornando, já de início, consideravelmente atrasada em relação a outros locais, como as regiões vicentina e pernambucana. Entretanto, apesar de um certo desenvolvimento durante os séculos XVI e XVII - graças ao seu porto natural e ao comércio direto com a Europa -, Vitória foi sensivelmente abalada pela descoberta de ouro e pedras preciosas no interior do Brasil; o que, se por um lado poderia transformá-la numa importante cidade à beira-mar - por ser ela a saída mais próxima ao escoamento da produção -, serviu para deixá-la praticamente estagnada por quase dois séculos. A capitania do Espírito Santo, a qual pertenciam originalmente os minerais, foi então bastante prejudicada, já que se tornara barreira oficial a possíveis ataques de outros países europeus. Desde sua fundação em 1551, portanto, um desenho com influência tipicamente portuguesa marcou a capital do Espírito Santo, seja na linguagem do conjunto arquitetônico, seja no traçado urbano irregular disposto sobre a topografia do relevo. Nesta paisagem, o casario baixo, discreto e contínuo formou os primeiros caminhos que, por sua vez, conectavam os principais espaços públicos da vila: os largos. Estes, por fim, contavam geralmente com a presença das maiores e mais destacadas edificações da época: as igrejas. Como importantes referências, eram elas que estruturavam toda a pré Cidade-Presépio, então emoldurada entre a massa verdejante dos morros e as águas da baía. Entretanto, para além da especificidade da arquitetura eclesiástica - que atestava o importante domínio dos religiosos na vida social da Colônia - também uma outra tipologia se destacou na pequena Vila de Vitória: os fortes. Situados na costa que limitava a colina, área então meramente transitória e ligada àquela por ladeiras, estes elementos, construídos especialmente no século XVIII, representavam a preocupação com a defesa do território brasileiro, tão comum no período colonial; sendo, no caso de Vitória, relacionado ainda à proteção das 'minas gerais'. Destaca-se, portanto, na primeira imagem de Vitória - sobreposta e consolidada de vez sobre uma antiga fazenda - um processo contínuo de identificação, em que a arquitetura importada de Portugal adequou-se aos aspectos físico-geográficos do lugar, como, por exemplo, na escolha marcante dos sítios destinados à implantação dos complexos religiosos. Assim sendo, os poucos registros da antiga pré Cidade-Presépio nos revelam esta singela identidade, tais como o traçado original de alguns logradouros da Cidade Alta, a pequena capela de Santa Luzia, as três residências da rua José Marcelino - referência única da arquitetura civil colonial capixaba - e o atual museu Solar Monjardim - testemunho raro de uma tipologia predominante nas antigas fazendas de açúcar. Das edificações religiosas de destaque, por sua vez, restam apenas as igrejas de São Gonçalo e do Rosário, bem como o convento de Nossa Senhora da Penha e as ruínas do Forte de São João, defronte ao Penedo, atestam o caráter defensivo-militar que vigorou durante o século XVIII na região. A decadência do ciclo do ouro e a reabertura da Capitania no início do século XIX, no entanto, deu a Vitória a possibilidade de retomar de forma incisiva as suas atividades comerciais, impulsionadas pela entrada da produção cafeeira nas terras capixabas. Durante o período imperial, ainda, a capital do Espírito Santo, antes subordinada ora à capitania da Bahia ora à do Rio de Janeiro, recupera sua independência e sua importância político-administrativa. Inúmeros cais, por sua vez, redesenham toda a costa da colina, sendo logo substituídos por armazéns para importação e exportação, simbolicamente representados como o ponto de transição à chamada Cidade-Presépio". 

II PERÍODO
A CIDADE-PRESÉPIO:FREIRE, MONTEIRO E AVIDOS

"Apesar das oscilações do preço do café no mercado internacional, o Espírito Santo, no início do século XX, desenvolvou-se de um modo até então incomum, adentrando-se finalmente de modo significativo no contexto econômico do país. Novas estradas são abertas em seu interior, vários rios são reutilizados para navegação e inúmeros imigrantes vêm trabalhar nas colônias agrícolas. Vitória, como reflexo máximo de tais mudanças, em menos de três décadas, deixa de ser a velha vila colonial e provinciana para se tornar, ainda que atrasada em relação aos principais pólos do país, a nova cidade burguesa, recebendo uma série de serviços e melhoramentos num acelerado e contínuo processo de urbanização. O café, grande propulsor dessa mudança, faz surgir, com o incremento comercial, um sem número de estabelecimentos, a grande maioria situada na parte baixa da cidade, cada vez mais importante. Por sua vez, a burguesia emergente constrói suntuosas residências em substituição aos antigos sobrados coloniais - muitas delas situadas à volta do parque Moscoso, jardim luxuoso surgido de uma área pantanosa à beira-mar. A cidade, finalmente, desce a colina. Iniciada oficialmente pelo governador Muniz Freire (1896-1904), continuada por Jerônimo Monteiro (1908-1912) e concluída por Florentino Avidos (1924-1928), a paisagem que deu fama à então desconhecida capital capixaba foi marcada não só pelo caráter administrativo e comercial, mas também por funções até então inexistentes ou inexpressivas na cidade, como a educacional e a de lazer. Revestindo o novo conjunto arquitetônico, a arquitetura eclética torna-se oficialmente o estilo-padrão, passando a configurar remodelações da antiga vila, como a Igreja de São Tiago, que deu lugar ao Palácio do Governo, ou a Igreja da Matriz, que foi substituída pela Catedral Metropolitana, e grande parte das novas construções públicas - como a Assembléia Legislativa, edificada sobre a antiga Igreja da Misericórdia - e particulares. Do mesmo modo, também as escadarias, edificadas por sobre as antigas ladeiras, e os sucessivos aterros - que permitiram o início das obras do Porto e redesenharam toda a costa da cidade - são testemunhas dessa nova paisagem. Por sua vez, a avenida Capixaba - abrigando agora os mais importantes edifícios na cidade - e a primeira ligação, via ponte, da capital à ilha do Príncipe (Ponte Seca) e desta a Vila Velha (Cinco Pontes) em 1928, vêm se juntar àqueles como significativos símbolos de Vitória. Entretanto, embora tenha se desenvolvido de modo surpreendente, a população que atingiu o Espírito Santo teve um reflexo muito maior em seus estados vizinhos, cuja rede de relações comerciais já havia se firmado como o Ciclo do Ouro. A produção arquitetônica da cidade, portanto, apesar de apresentar um certo requinte, não pode se equiparar nem às principais cidades daqueles estados e nem a outras capitais do país que já então se desenvolviam com outros tipos de produções. Além disso, apesar de se tornar tão evidente essa 'nova' identidade de Vitória - a ponto de a arquitetura produzida nessa época se configuar até hoje como a maior parte de seu patrimônio arquitetônico -, vemos também que, diferentemente da 'tradição' feita através da produção colonial - então sistematicamente destruída -, o que ocorria agora era uma mera mudança estética, em que os novos objetos representavam mais um modismo do que uma produção preocupada com a especificidade do território sobre o qual estavam sendo construídos. Dentre desse contexto, foram edificados o atual Museu de Artes Plásticas, a Faculdade de Filosofia e Letras (Fafi), o Teatro Carlos Gomes, o Mercado da Capixaba, as inúmeras escadarias, os armazéns do porto e o Cine-Teatro Glória. Além disso, nem mesmo o projeto do Novo Arrabalde - idealizado ainda no governo Muniz Freire pelo sanitarista Saturnino de Brito, que no âmbito do planejamento urbano inseriu a capital capixaba na vertente mais contemporânea da produção realizada na primeira República, chega a se configurar num grande destaque para Vitória, já que outras cidades não só recebiam novas áreas de extensão urbana, como também as ocupavam de modo mais 'grandioso'".  

  III PERÍODO
A PÓS CIDADE-PRESÉPIO:EXPANSÃO HORIZONTAL E VERTICAL

"A ocupação efetiva, ainda que parcial, do Novo Arrabalde, no final da década de 20, do século passado, marca a transição à chamada pós Cidade-Presépio, quando Vitória, pela primeira vez, estende-se em direção às praias da região leste. Até a década de 60, esta porção da ilha chega a apresentar um caráter estritamente residencial, configurando um desenho próximo àquele idealizado por seu criador, onde os inúmeros afloramentos rochosos conferiam uma especificidade ao local, configurando uma paisagem bem diferenciada daquela existente até então. Neste espaço, destaca-se a vanguarda dos estilos protomoderno (Hospital Infantil), que também já se destacavam nas áreas novas do Centro (Associação de Funcionários Públicos, Correios e Telégrafos) e, moderno (Escola 'Liberato Sete', Escola 'Irmã Maria Horta', prédio da Engenharia), por entre as releituras estéticas em voga, como o neocolonial, todos eles construídos nas décadas de 40 e 50. Já a parte continental de Vitória, ocupada na década seguinte, também surge com um desenho próprio, marcado por um número de conjuntos habitacionais em meio a grandes vazios destinados a atividades de grande porte. Esta recebe os últimos registros do Modernismo, construídos no campus universitário (Cemunis, Reitoria, Biblioteca Central), durante os anos 60 e 70. O que se vê posteriormente é um crescimento acelerado de construção em Vitória, ao mesmo tempo em que a cidade, a partir da década de 70, recebe um grande fluxo de pessoas vindas do interior do Estado. Estas, no entanto, passam a ocupar não só as regiões disponíveis, antigos e novos loteamentos, como também passam a viver, quando sem opção, sobre áreas de mangues e morros. Entretanto, ambos processos, oficial e não-oficial, são feitos em sua maioria de forma um tanto quanto descontrolada, o que vem a comprometer significativamente a paisagem natural de Vitória. A preocupação com toda esta mudança radical da imagem da cidade, embora evidenciada já nesta década, é consolidada apenas nos anos 80, com a aprovação do primeiro Plano Diretor Urbano. Este, por sua vez, visa a um ordenamento de uma cidade já marcada pela fragmentação, caráter que poria fim a uma possível paisagem moderna na pós Cidade-Presépio. Por outro lado, esta mesma legislação, de maneira ambígua, consolida o processo intensificado de verticalização que se inicia. Desse modo, nas últimas décadas, a cidade não apenas se expande rapidamente de forma horizontal, especialmente devido ao acréscimo de áreas permitida pelos grandes aterros de Bento Ferreira e da Enseada do Suá, como também faz no sentido vertical, seja na ocupação cada vez maior da área de morros pelas classes menos favorecidas em suas autoconstruções, seja pela consolidação do modelo de torre vertical adotado pelas classes média e alta. Junto a isso, numa referência direta ao processo de pasteurização da linguagem arquitetônica e de sua 'despreocupaçao' estética, surgem objetos que ignoram qualquer diálogo com o território ao mesmo tempo em que não seguem nenhum modelo artístico, como os grandes centros comerciais (hipermercados, shoppings centers, revendedoras de automóveis). Felizmente, surgem também novas propostas de renovação urbana, como aquelas vinculadas à preservação do patrimônio arquitetônico e natural, e alguns valiosos exemplares arquitetônicos, como a sede da Xerox do Brasil, a Escola 'Jesus de Nazaré', o Tribunal de Contas e o Teatro Universitário, que se destacam por uma correta inserção no meio ambiente. Da pós Cidade-Presépio, portanto, podemos apenas tomar fragmentos, já que a sua imagem é marcada por uma desconexão urbana, representada, não apenas pelo desequilíbrio funcional entre as obras e a natureza, como também por um desequilíbrio que se alia às condições impostas pelo mercado imobiliário. Na virada do século, Vitória encontra-se praticamente distribuída por todo o seu território, limitando-se visivelmente por fronteiras naturais (canais e manguezais) ou construídas (complexos Vale e ArcelorMittalTubarão). Dentro deste limite, restam como possíveis áreas de expansão alguns loteamentos, como o da Enseada do Suá, e as zonas naturais preservadas por lei. Conectando todas as partes da cidade, encontra-se a sua estrutura viária básica, iniciada pela 'moderna' avenida Jerônimo Monteiro (centro), continuada pelas principais vias do Arrebalde e da área continental (leste e norte) e finalizada pela Rodovia Serafim Derenzi. Centro administrativo-financeiro de todo o Espírito Santo, do sul da Bahia e de parte de Minas Gerais, no início do século XXI, Vitória configura-se numa cidade que vem cada vez mais se destacando no cenário nacional, já que aos poucos se aproveita do seu potencial econômico e turístico latente. Mas se a capital capixaba encontra-se atualmente em seu caminho natural de 'aparição' e consolidação como uma das mais importantes cidades do país, caberia e ela ainda a alcunha de Cidade-Presépio? Não estaria este nome por demais associado ao provincianismo que não lhe cabe mais? Ou, antes, seria esta a 'defesa' da inocência perdida e que, de alguma maneira, deveria caminhar junto com a imagem 'globalizante' que também parecer almejar ser a cidade?".
PETER RIBON MONTEIRO | Escritos do I Simpósio sobre Comunicação Visual Urbana, 2012


SOBRE A IDENTIDADE CAPIXABA
"O professor Guilherme Santos Neves, que dispensa apresentações, faz no texto 'Por que somos capixabas?', um levantamento  de quanto fora investigado na altura (creio que pouco mais se produziu a partir daí), acerca da etimologia e também da mitologia do vocábulo 'capixaba', introduzindo as interpretações do significado em tupi-guarani, como designando roça ou plantação. Este termo veio posteriormente a designar o próprio possuidor da roça, isto é, os habitantes da Ilha de Vitória. Além dessa explicação de cunho científico, apresenta ainda o referido autor a versão folclórica pela qual o nome teria sido estendido aos habitantes da Ilha em virtude da antiga Fonte da Capixaba, onde desembocava a boa água que brotava da Pedra da Vigia e que vinha sendo utilizada, ao longo do tempo, por toda a população. Com o passar dos anos, o povo passou a dizer que o primeiro banho da criança recém-nascida deveria ser tomado naquelas águas, para que tivesse fortuna e felicidade na vida, e assim a fama das águas da fonte da Capixaba se espalharam.

Mas que é que pode fazer com que um indivíduo, ou um grupo de indivíduos, se sinta ligado de tal maneira a uma determinada região, se veja tão confortável ao adotar determinados usos e costumes de curso comum naquele sítio, a ponto de se fazer designar por um gentílico que o - ou os - identifique? [...] na prática, ao se pensar o assunto não se pode partir de outra premissa que não o da constatação da 'marginalidade periférica' do Espírito Santo no contexto da nação brasileira, o que se deve a sua pouca influência política, sua reduzida expressão econômica (em termos absolutos, visto ser um dos estados do Brasil cuja economia cresce a taxas mais aceleradas), a nenhuma penetração da sua produção cultural (que existe inobstante a descrença dos próprios capixabas). Este estado de coisas indubitavelmente influi sobre o ânimo da população, sobre a auto-estima dos capixabas, que, acometidos por um 'complexo de coitado', tende a não valorizar as coisas da terra. Infelizmente, pode-se dizer ser este o principal traço que tem caracterizado o capixaba, ao menos desde o último período de migrações - interiores e exteriores ao estado - por ocasição da implantação por aqui dos grandes projetos industriais, na década de 70 do século XX. [...] A capitania era desde sempre pouco povoada. Com a fundação de Salvador ao norte e do Rio de Janeiro ao sul, o Espírito Santo foi paulatinamente sendo esvaziado, até que a descoberta das riquezas minerais da região das Minas Gerais culminou no travamento pela Coroa Portuguesa de qualquer projeto de desenvolvimento da terra, condenada a não mais que baluarte natural de defesa das minas recém-descobertas. A política da Coroa Portuguesa foi, assim, funesta para o Espírito Santo durante todo o século XVIII. Somente no início do século XIX recomendou-se especialmente ao Governador Silva Pontes que incentivasse a navegação pelo Rio Doce, proporcionando por essa via a comunicação entre o Espírito Santo e Minas Gerais. Essa singularidade de formação do seu caráter é inconscientemente detectada pelo capixaba, que se reconhece de alguma maneira como diferente dos habitantes dos estados do nordeste, dos habitantes dos estados do sul e até dos de São Paulo, os que, em particular, mais se assemelham a nós, mas onde a imigração italiana e alemã não teve, quantitativamente, o peso que teve no Espírito Santo. E detectada esta diferença, que associa ao papel de marginalidade do Estado, a população capixaba tende naturalmente a desvalorizar-se ao considerarmos o contexto nacional.

O Espírito Santo pode vir a ser para o Brasil um laboratório privilegiado de observação da formação da própria individualidade brasileira (até mesmo porque este processo da formação da individualidade capixaba está a ocorrer no dia-a-dia). A demonstração deste fato ao restante do país só pode ser feita pelos próprios capixabas, através de suas realizações materiais e culturais, num processo que, a ser de fato realizado, sem dúvida haverá de ajudar a promover o resgate de sua auto-estima".
GETÚLIO MARCOS PEREIRA NEVES | Escritos de Vitória, 2000


VITÓRIA: ILHA DO MEL
Os índios goitacazes, antigos habitantes locais, chamavam a ilha onde se situa a atual cidade de Vitória, de Gaunaaní ou Ilha do Mel, devido a sua beleza natural, a amenidade do clima e a abundância de peixes e mariscos. "Guaramira seria então 'a baía, ou enseada; semelhante ao mel': Guá, 'a baía' o nã de rana, 'semelhante' e eíra ou ira, o 'mel'. E, por 'semelhante ao mel', nós entendemos não a baía de água doce - o que ela não é -, mas a baía de águas tranquilas, tão lisa e fácil de se navegar quanto o mel. A baía de Vitória se constitui, de fato, em um ancoradouro seguro para os nautas acossados pelas tormentas do alto-mar. É abrigada dos principais ventos do quadrante e não apresenta correntezas fortes nas vazantes ou nas enchentes da maré". 
SAMUEL MACHADO DUARTE | Topônimos capixabas de Origem Tupi, 2008
"Ao que tudo indica, Santo Antônio foi o primeiro nome dado à ilha de Vitória. A antiga denominação faz pressupor o desembarque dos colonos portugueses na ilha, para explorá-la sob o comando de Vasco Fernandes Coutinho, em 13 de junho de 1535, dia do calendário cristão consagrado pela igreja a Santo Antônio, o que justifica a denominação escolhida, inclusive para o local do desembarque dos exploradores. Tratava-se da maior ilha da capitania, situada próxima da primeira vila que Vasco Fernandes Coutinho constituiu em seus domínios. Era natural, portanto, que atraísse a atenção dos portugueses que desembarcaram em terras capixabas. Por volta de 1536 ou 1537, Vasco Coutinho doou a ilha, em sesmaria, a Duarte Lemos, antes dela vir a ser a sede da capitania, com a fundação da Vila de Nossa Senhora da Vitória. Não existem registros confiáveis que fosse verdadeira a expressão Guanaanira, significando 'ilha do mel', com que os indígenas denominavam o lugar, embora esta versão tenha hoje se tornado de domínio público". 
LUIZ GUILHERME SANTOS NEVES| Estação Capixaba, 2011


EVOLUÇÃO TERRITORIAL DE VITÓRIA
"A história da colonização do Espírito Santo começa com a chegada do fidalgo português, Vasco Fernandes Coutinho e da tripulação da nau Glória, em 1535, à capitania do Estado. Recepcionados de forma agressiva pelos nativos - a investida dos indígenas contra os portugueses foi constante. [...] O fidalgo Duarte Lemos ajudou o donatário nessa batalha. Em retribuição a seus esforços contra os nativos, Vasco Fernandes Coutinho doou a Ilha de Santo Antônio (atual Ilha de Vitória) à Duarte Lemos, em 15 de junho de 1537. Anos mais tarde, Vasco Fernandes Coutinho, em prol da segurança dos habitantes transferiu a sede da Capitania para a Ilha de Santo Antônio, que passou a se chamar Vila da Vitória. Dessa maneira iniciou-se a história da cidade de Vitória. Seu núcleo funcional foi estabelecido em cima de um platô, com uma encosta de aproximadamente 30 metros de altura. Essa região atualmente é denominada Cidade Alta. O platô era delimitado pelo mar, pelo relevo do Maciço Central (hoje conhecido como Morro da Fonte Grande) e pelas áreas alagadiças. No período inicial da Vila da Vitória, o casario era baixo e contínuo e respeitava a configuração do terreno colonial, conforme os portugueses estabeleciam para pequenos núcleos, com 'ruas tortuosas, terrenos e quadras de dimensões regulares, refletindo a topografia da colina'. Percebia-se uma ocupação mais horizontal, podendo-se contemplar o Maciço Central ao fundo, uma visão bucólica da Villa, mas tendo sempre destaque as igrejas e os edifícios altos. Foi a partir dessa região que a cidade de Vitória se expandiu e se desenvolveu. Décadas depois, a silhueta da Vila se mantinha basicamente como no início, mas já com alguns acréscimos (áreas de expansão), como o Forte São João e o Morro do Pernambuco. Em 1767, já se observava uma 'silhueta mais fechada', mas ainda horizontal. Nada muito diferente do perfil anterior e, dessa forma, se manteve até a primeira década do século XIX, sendo que 'o contraponto à paisagem natural era dado pela implementação das igrejas no ponto mais alto do terreno, com posição de destaque, demonstrando o poder e a força dessas instituições'.

A descoberta de ouro e pedras preciosas nas regiões interioranas da Capitania do Espírito Santo gerou entraves ao desenvolvimento das vilas litorâneas, incluindo a Vila de Vitória, sede da Capitania. Para a proteção da região mineradora foi estabelecida a construção de fortes contra invasores e também a proibição de aberturas de estradas em direção às minas para evitar o contrabando das preciosidades ali encontradas. Todo o escoamento do ouro e das pedras preciosas (o que gerava grande fluxo de pessoas, maior movimentação da economia e disseminação de conhecimento) era feito mais ao sul, pela Capitania de São Tomé (atual Estado do Rio de Janeiro). Todos esses fatos levaram a Capitania do Espírito Santo a não progredir, pois grande parte de seus esforços (e também de suas finanças) era voltado para a sua fortificação a fim de proteger a Vila, mas principalmente as minas. Com o declínio da mineração, a Capitania do Espírito Santo deixou de ser uma barreira para as minas e foi intensificando suas atividades comerciais, progredindo, dessa forma, economicamente. Houve, então a necessidade de aumentar espacialmente a Vila, pois sua população vinha aumentado, bem como sua economia. Foi nesse momento (entre 1812-1818) que começaram a ser realizados pequenos aterros, principalmente nas regiões alagadiças que existiam na Vila. Dois importantes aterros dessa época foram o do Largo da Conceição (área hoje conhecida como Praça Costa Pereira) e da Lapa do Mangal (depois conhecida como Campinho, atualmente, Parque Moscoso).

No final do século XIX, mais precisamente em 1892, assumiu o governo da província, José de Melo Carvalho Muniz Freire (1892-1896), que, com uma política intervencionista mudou a paisagem da cidade de Vitória. Grande modificações aconteceram, como aterros de grandes proporções, elaboração de projetos e um processo de expansão que se estendeu até a década de 1950. Uma das linhas mestras do governo de Muniz Freire era o 'povoamento do solo' e, para tal, em 1895, criou a Comissão de Melhoramentos da Capital, liderada pelo engenheiro sanitarista, Francisco Saturnino de Brito, que projetou a construção de um novo arrabalde com área cinco vezes maior que a capital de Vitória. Mais adiante, obras de expansão e embelezamento seriam realizadas no governo de Jerônimo de Souza Monteiro (1908-1912), com o Plano de Melhoramento de Vitória. Outro governador importante no processo de melhoramento e expansão da cidade de Vitória foi Florentino Avidos (1924-1928), que deu continuidade ao trabalho de Jerônimo Monteiro. Por meio de recursos advindos da economia cafeeira, Avidos (re)começou as obras e, para tal, criou a Comissão de Melhoramentos de Vitória. Em suas administração foi feito o aterro próximo ao Forte São João, melhorando o acesso a essa região. Também teve início a implantação do projeto do Novo Arrabalde. Seu governo ainda registrou a realização das obras do porto, a construção dos três primeiros galpões na região do Parque Moscoso, a construção da Ponte Florentino Avidos (chamada popularmente de Cinco Pontes), que liga a Ilha de Vitória ao continente pela cidade de Vila Velha, e a abertura da larga, longa e reta Avenida Capixaba (atual Avenida Jerônimo Monteiro). Nesse momento, a cidade de tipologia e dimensões coloniais, de ruas estreitas e edifícios de pequeno porte começa a romper com essa linguagem. Vitória passou a ser uma cidade moderna, centro da cultura, da economia e da administração do estado do Espírito Santo. Serafim Derenzi diz que 'Vitória tornou-se 'cidade habitável, quanto às condições sanitárias e em pé de igualdade com as melhores capitais brasileiras. Água pura e abundante, serviço regular de limpeza, hospital moderno, isolamento discreto para doentes contagiantes, polícia domiciliária, laboratório de análises, ruas iluminadas deram fama à cidade que, ano após ano, ganharia o apelido de Cidade Presépio'. Nas décadas seguintes, a urbanização continuou se expandindo na região do Centro e também no Novo Arrabalde. No final da década de 1940 iniciou-se o processo de verticalização do Centro. Apesar de o Novo Arrabalde fazer parte da zona urbana da cidade e ser bem ocupado, o centro continuou a ser a região privilegiada da cidade. Esse fenômeno modificou completamente a silhueta da cidade. A cortina de concreto armado dos imensos edifícios impediu a visualização do Maciço Central, da região primitiva da cidade. Além disso, os galpões do porto impediram a visualização e, principalmente, o contato dos moradores com o mar. A partir da década de 1970, o centro de Vitória começou a sofrer um esvaziamento com o deslocamento do contingente (comercial e populacional) para a região norte da cidade. O centro passou por um processo de abandono e com o tempo foi se deteriorando. Na década de 1990 iniciou-se uma mobilização por parte dos órgãos governamentais em prol da Revitalização do Centro de Vitória. Parte desse intuito de revitalizar foi demonstrado na demarcação e na sinalização do Centro Histórico de Vitória, que compreende o espaço entre o Forte São João à Vila Rubim".
JOSÉ TEIXEIRA DE OLIVEIRA | História do Estado do Espírito Santo, 2008


VITÓRIA: IDENTIDADE E VISIBILIDADE
"Apesar de sua localização privilegiada no cenário brasileiro, o Espírito Santo é um estado que parece ainda não ter sido devidamente descoberto. Ou se o foi, não chegou ainda a atingir a visibilidade merecida. Aproximando-se mais do seu contexto, percebe-se que a capital capixaba é, sim, conhecida, mas não tanto quanto deveria ou se suporia que fosse, de onde surge, pois, a seguinte questão: por que Vitória, mesmo sendo algo conhecida, parece ser desconhecida? Pois, assim como o sotaque capixaba - que todos sabem existir, mas não sabem imitar -, a cidade parece não ter uma identidade própria, sendo difícil revelar o que lhe caracteriza como única, buscando-se quase sempre 'apoios' de outros lugares mais conhecidos. Na busca preliminar por sua qualidade sui generis, deparamo-nos com o nome Cidade-Presépio, apelido que Vitória recebeu no começo do século XX e que, apesar de pouco explorado nos dias atuais, fazia referência, com alguma originalidade, à distinção da capital capixaba, tanto por diferenciá-la das demais, quanto por inseri-la num conjunto identificável. Este apelido revelou-se valioso já que em sua representatividade continha o germe da resposta ao nosso questionamento. Primeiro por associação direta, ou seja, na semelhança explícita do desenho natural da cidade a um presépio, tanto pela configuração quanto pela dimensão de seus objetos - ilhas, baias, canais, pedras, morros. E segundo, pela simbologia mesma da palavras, sustentada por uma ambígua relação de dependência em que nem as partes isoladas destacam-se do todo, e nem o todo se destaca das partes, tornando, pois, 'modesta' uma imagem justamente pela ausência intrínseca de supremacia, a escala e a composição de Vitória servindo adequadamente a esta alegoria. Indo mais além, vemos que esta 'simplicidade' não se limita apenas à sua natureza, mas se estende à própria imagem construída da cidade, pois também sua arquitetura, em comparação aos demais centros urbanos não apresenta algo tão 'grandioso' e conhecido. Apesar de quase 500 anos de ocupação, ainda hoje se pode apreender com clareza a composição físico-geográfica sobre a qual se assenta a capital capixaba, distribuída por entre uma porção continental, ao norte, e uma porção insular, ao sul. Em seu desenho, um conjunto de morros e pedras confere indubitavelmente a imagem de um grande presépio, distribuídos que estão harmonicamente por entre todo o território da cidade, sobre suas pequenas baías. Sobre a baía interna (de Vitória) encontra-se a ilha-mãe (Ilha de Vitória) e outras duas dezenas de ilhotas dispostas a sua volta, todo este conjunto praticamente encaixado no continente e ladeado por três canais que fazem perder a própria referência da baía. Já para o mar aberto, a leste, encontra-se a baía externa (do Espírito Santo), entre a ponta de Tubarão e a ponta de Santa Luzia (Vila Velha), banhando parte da ilha-mãe, outras pequenas ilhas e a parte continental de Vitória.

De todo este cenário, sem dúvida alguma, é a Ilha de Vitória, em seus meros 26,5 Km2, que comanda todo o conjunto, tanto por sua localização central quanto por seu desenho peculiar, onde é possível identificar duas porções distintas: aquela ocidental, dominada pelo complexo de morros conhecido como Maciço Central, onde se encontra o ponto culminante da ilha (312 metros) e, a oriental, composta por vários afloramentos rochosos ligados ainda à estrutura daquele maciço, mas visivelmente dele dissociados. A sua volta, encontram-se, ao sul, algumas ilhas e elevações residuais ou remanescentes compostas de rochas resistentes e situadas sobre um peneplano, junto a Vila Velha; a oeste, uma região de mangues junto a Cariacica, e, ao norte, próximo ao delta do Santa Maria, a reserva pantanosa do Lameirão. Das outras ilhas do arquipélago, destacam-se na baía externa, a Ilha do Frade e a Ilha do Boi, caracterizadas como bairros residenciais de alto padrão e, a Ilha do Príncipe, atualmente acoplada à ilha-mãe e caracterizada como um dos bairros da região central. Dentre os elementos do chamado Maciço Central, destaca-se a Pedra dos Olhos, um rochedo que se diferencia por seu curioso desenho e a formação granítica da Pedra da Gameleira, enquanto na parte continental, chama a atenção a delicada Pedra da Cebola. O segundo conjunto de morros-ilhas, por sua vez, compreende aquele situados ao sul do canal meridional da baía de Vitória, já na parte continental (Vila Velha), em que se sobressaem o Morro da Penha e o Morro do Moreno. Além destes, destaca-se o Penedo, junto ao ponto mais estreito da baía. Para além do Maciço e das colinas que defendem a margem continental do canal sul, podemos ainda juntar ao 'presépio' algumas formações rochosas um pouco distantes, mas que pela estatura e desenho ajudam a compor o cenário da região, tais como o grande Mestre Álvaro e a Pedra do Moxuara".
PETER RIBON MONTEIRO Escritos do I Simpósio sobre Comunicação Visual Urbana, 2012


DA INSURREIÇÃO DE QUEIMADOS 
À LEI DE INCENTIVO A CULTURA
São José do Queimado é um distrito situado no município de Serra. Tem esse nome por ser uma região de clima tropical, caracterizada pela presença de muitas queimadas. Foi o local onde, no ano de 1849, ocorreu a maior revolta levantada pelos negros escravizados. Dentre os participantes da insurreição destaca-se a liderança de Francisco de São José, o Chico Prego (a palavra prego se referia a uma espécie de macaco da região da Amazônia).

Escravo de Ana Maria de São José, Chico Prego e outros líderes elaboraram um plano de libertação  para o dia da inauguração da Igreja de São José, com o objetivo de fazer valer a proposta verbal que concederia a alforria aos negros após a construção da igreja. O acordo não foi cumprido e teve como consequência a Revolta de Queimados, que constituiu-se na maior insurreição negra ocorrida no Estado do Espírito Santo, indicando um marco na história da escravidão. Por sua atuação na revolta, Chico Prego foi condenado à morte na forca e executado no dia 11 de janeiro de 1950, no local onde hoje está construída a Praça Ponto de Encontro. O movimento liderado por Chico Prego está registrado no livro, A Insurreição de Queimado, do escritor Afonso Cláudio de Freitas Rosa e, na obra, História da Serra, do historiador Clério José Borges. A insurreição alcançou também a mídia cinematográfica com o filme Queimado, a revolta dos escravos, dirigido pelo cineasta João Carlos Coutinho. No ano de 1999, o município de Serra sancionou a Lei Chico Prego, que objetiva incentivar projetos com foco no desenvolvimento cultural do município. A concessão de incentivo financeiro abrange projetos especiais de interesse direto do município como os de conservação e restauração do patrimônio histórico, artístico e de preservação do patrimônio natural, infra-estrutura cultural relativa a museus, bibliotecas, auditórios, teatros, centros culturais, salas de exposição, projeção e projetos artísticos, assim como, projetos de incentivo às artes, gerados por produtores culturais, sem necessariamente ter relação direta com a municipalidade, como música, dança, teatro, circo, ópera, cinema, fotografia, vídeo, artes plásticas, gráficas, filatélicas, folclore, capoeira, artesanato, formação profissional e de platéia. 


A ILHA DE VITÓRIA DO DESCOBRIMENTO
"De início os portugueses tiveram dúvidas se se tratava de uma ilha ou de uma lezíria (terra baixa coberta pela maré alta), mas a circunavegação realizada a 13 de junho de 1535 comprovou a hipótese da ilha e a ela deram o nome de Ilha de Santo Antônio, que era o santo do dia. O donatário Vasco Fernandes Coutinho doou a ilha ao fidalgo Duarte Lemos que, em sua parte alta e central, erigiu a sede da fazenda e a capelinha de Santa Luzia, ainda existente. A tradição atribui ao dia 8 de setembro de 1551 a fundação da vila, após vitória contra os índios. Todavia, o provedor-mor da fazenda, Antônio Cardoso de Barros, em documento anterior, já se reporta à Vila de Vitória em 1550. Assim, os historiadores fixam a data da fundação da vila, nova sede da capitania, em 1550, e o governo, nesse mesmo ano, assina algumas provisões criando cargos para a organização administrativa da capitania. Ainda em 1550 inaugura-se o comércio direto da capitania do Espírito Santo, com Portugal e Angola e, a instalação da Alfândega. A nova sede da capitania teve, em seus primeiros anos, uma vida bastante precária, sob ameaça de índios e de invasores europeus, com uma população branca escassa, sem condições de defender-se e prestes a abandoná-la. Em 1560 Belchior de Azevedo é nomeado capitão-mor do Espírito Santo com todos os poderes e jurisdições atribuídas anteriormente a Vasco Fernandes Coutinho. Em 1561, duas naus francesas foram avistadas da Vila da Vitória. Belchior reuniu brancos e índios que, de maneira improvisada, conseguiram expulsar os invasores da costa. Poucos anos depois, provavelmente entre 1563-1564, Vasco Fernandes Coutinho (filho) toma posse da donataria como sucessor de seu pai. Essa fase caracterizada por uma trégua no relacionamento com os silvícolas e com as invasões francesas apresentou maior estabilidade e produtividade, transformando o aspecto da capitania. No ano de 1581 nova tentativa de invasão é feita pelos franceses. Mais tarde, em 1583, é a vez dos ingleses fazerem sua investida. Em 1584 a sede da capitania teria uma população de 150 moradores. Com a morte do segundo donatário, assume a direção da capitania a sua viúva, Luiza Grimaldi. Os ingleses tentam novamente uma invasão na baía de Vitória, no ano de 1592, chefiados por Thomas Cavendish, mas são novamente expulsos.

Os trezentos anos iniciais da Vila foram de muita penúria, funcionando como barreira à penetração estrangeira nos sertões auríferos das Minas Gerais e sendo prejudicada em seus negócios, o que diminuiu o seu ritmo de crescimento. Dada a necessidade de defesa do litoral contra os ataques de invasores, construíram-se fortes ao longo do canal da baía, sendo exemplos o de Piratininga ou São Francisco Xavier (Vila Velha) e o de São João de Nossa Senhora do Monte Carmo, centro das atividades militares da capitania. Na ilha colonial havia algumas fazendas, convento franciscano, residência dos jesuítas, um pequeno comércio e a sede do governo, centralizados na área que corresponde atualmente à Cidade Alta. Em torno, os mangues, o mar e alguns cais para embarque e desembarque. Quando da chegada de D. João VI ao Brasil, em 1808, Vitória não havia atingido ainda os dois mil habitantes. Viajantes que aqui estiveram, como Maximiliano de Wied-Neuwied e Auguste de Saint-Hilaire, atestaram a pequenez da vila, embora elogiassem a limpeza de suas ruas, com casas caiadas e pequeno movimento Só com a gradativa colonização do interior através da cultura do café, Vitória, cidade e porto, teve condições de progresso. Por aqui escoava para a Europa e Estados Unidos, através de seus portos de Bremen e de Nova Orleans, o café produzido no Espírito Santo. Durante o período imperial, Vitória era ainda dependente da navegação marítima para seus contatos com o exterior, uma vez que não estava ligada a outros pontos por estradas de ferro nem de rodagem".
MARIA CLARA MEDEIROS SANTOS NEVES | Estação Capixaba, 2011
.

O CAPIXABA METAFÍSICO
"Primeiramente, qual a denotação de 'capixaba'? A versão corrente, aceita entre os eruditos, concorda com a ideia  de que capixaba significava, primitivamente, no século XVI, a lavoura ou roça que se estendia da atual Rua Barão de Monjardim até a região que hoje se fronteia à Capitania dos Portos. Com o passar do tempo, por uma extensão metonímica, a coisa possuída (a plantação) passou a ser denominação concedida primeiro aos seus possuidores e por fim a todos os habitantes da ilha de Vitória. Posteriormente, talvez porque Vitória seja a sua capital, os naturais de qualquer parte do Espírito Santo passaram a receber esse epíteto. Mestre Guilherme Santos Neves estudou o assunto, propondo nova teoria, em uma série de artigos, intitulados genericamente de 'Por que somos capixabas'. 'Creio que o primeiro a propor essa versão foi o Visconde de Beaurepaire Rohan, em seu Dicionário de Vocábulos Brasileiros, onde se pode ler, no verbete capixaba: 'Os habitantes da cidade de Vitória têm o apelido de capixabas por causa de uma fonte que ali existe e donde bebem' (cfr. edição da Livraria Progresso, Salvador, 1956, p. 72). Aceita essa hipótese o Tenente Coronel Ruy Almeida, professor do Colégio Militar, do Rio: 'Os filhos da ilha de Vitória, hoje capital do formoso Estado, receberam esse apelido (Capixaba), não diretamente da palavra designativa de roça, roçado ou plantação, mas das fontes de que bebiam água de excelente qualidade e que brotavam entre essas plantações'. Menezes de Oliva, em Você sabe Por quê...? (Rio de Janeiro, Laemmert 1962, pp. 91-2), concorda: '(...) Teodoro Sampaio consigna o termo tupi CAPIXABA, como significando a lavoura, a roçada. (...) teriam escolhido sítio em cujo local houvesse uma fonte, indispensável à vida dos seus habitantes e à rega da terra e que ficou conhecida como a FONTE DA CAPIXABA, isto é, a fonte da lavoura, da roçada aberta no seio umbroso da mata. O povo (...) acabou emprestando virtudes miraculosas às águas daquela fonte. Dizia que a criancinha que tomasse o primeiro banho com as águas da FONTE DA CAPIXABA seria rica e feliz. Tanto bastou para que tal prática logo entrasse nos hábitos de seus moradores. É assim que, assistindo ao banho do recém-nascido, indagavam as comadres, apontando para a água da bacia - é CAPIXABA? No caso afirmativo estariam asseguradas ao bebê, pela existência, vida afora, felicidade e fortuna. Opulento e venturoso também seria todo aquele que, mesmo tendo nascido longe da FONTE DA CAPIXABA, pudesse misturar às águas do primeiro banho um pouco do precioso líquido, que dali lhe houvesse sido enviado por algum parente ou amigo dedicado. (...) com o decorrer do tempo, o nome da fonte veio a determinar, por distensão, os que tivessem nascido perto ou distante da CAPIXABA'. Com elegância, Mestre Guilherme informa que não encontrou, na literatura disponível, outras referências às forças prodigiosas da Fonte da Capixaba além da efetuada por Menezes de Oliva. Entretanto, segundo ele, '(...) a tradição popular tem dado às águas da Capixaba, pelo menos, o dom de prender aqui em Vitória quem delas bebe, feitiço memorável que o povo atribuiu a certas águas privilegiadas (...). Além desse poder de fixação à terra, as águas da Capixaba (...) são ótimas para quem sofre dos rins, além de possuírem outras virtudes terapêuticas'. O texto de Santos Neves, que transcrevemos pelo seu valor histórico, permite que diferenciemos entre a Fonte da Capixaba e o Chafariz da Capixaba, este último situado junto à atual Rua Barão de Monjardim: 'A Fonte lá está ainda (graças a Deus), mal resguardada por uma fachada tosca, em cujo reboco se pode ler uma data: 13 de novembro de 187... (1871, 1873, 1878?), certamente para marcar a época da construção. Mais embaixo, cinco metros talvez, a água clara escorre dum caco de telha - é a bica - e desce para os escaninhos do Morro. Cá embaixo, ao lado da antiga escadaria Cristóvão Colombo, levanta-se, com impotência inválida, o Chafariz da Capixaba (1828, reconstrução 1840) com suas torneiras quebradas e... secas, a testificar o proverbial desinteresse dos poderes públicos, o seu eterno descaso pelas mais caras tradições de nossa gente'. Mestre Guilherme conclui, então, seu pensamento: 'Da Fonte da Capixaba é que fluiu, além da boa, cristalina e saborosa água, o nome que se batizaram todos os que nasceram (e nascerão) nas terras do Espírito Santo'. Estes ensaios foram a pedra-de-toque de parte do nosso poema "Monofonia a Vitória", que segue abaixo,

Eis que alguns pedaços do Penedo dinamitado,
Cansados de beber água salgada, podre e oleosa
pela qual o Penedo é banhado,
Foram beber água doce do que resta da Fonte da Capixaba,
Fonte de onde jorrou água e de onde jorrou o nome "capixaba",
Mas, se fonte e água ainda existem, as torneiras estão arrebentadas,
E é raiva que o Penedo bebe com a força com que bebia o mar
até a maré baixar. 
E diz o Penedo:
"Rua Barão de Monjardim, rua da Fonte da Capixaba, fica com a rua
e me dá o barão, que suba pelo Morro do Vigia,
De onde desce, em aqueduto de telhas, a Fonte da Capixaba;
Me dá um barão que suba pelo morro que eu via
e que veja o calçamento pé-de-moleque feito pela gente escravizada;
Me dá um barão que aprecie as árvores imensas
como a angústia de Oscar apreciava;
Me dá um barão que me dê muletas
para que eu me levante sem as pernas esquartejadas;
Pois só pela influência o Poder ouve, vê, fala e sente;
Me dá um barão que defenda Vitória da destruição total
mais do que o forte São João defendia Vitória das invasões estrangeiras;
Me dá um barão com mais glória
do que a glória do concreto armado do Edifício Glória;
Me dá um barão com muito ouro
que vá comigo ao Teatro Carlos Gomes entoar esse coro'".

"Muqueca parece a melhor grafia, única usada no Espírito Santo desde o século XIX até meados do século XX. Apesar de os dicionários adotarem a grafia moqueca, a forma adequada seria a que respeita a sua etimologia, derivada do quimbundo mu'keka, que significa 'caldeirada de peixe', segundo Antônio Geraldo da Cunha. A palavra, portanto, é de origem africana e não possui relação alguma com moqueca, criada a partir do termo indígena moquém, que se refere, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a uma 'grelha de varas para assar ou secar a carne ou o peixe'. O uso de muqueca em todos os livros didáticos, bem como sua adoção final, em documentos, mapas culturais, preservaria o nome do mais típico e festejado prato regional, resgatando-o do esquecimento e do erro e ajudando a manter presente a individualidade da cultura capixaba."
OSCAR GAMA FILHO | Estação Capixaba, 2011


A CONSTITUIÇÃO DO POVO CAPIXABA
"O Espírito Santo tem uma formação sociocultural marcadamente constituída pela diversidade. De 1535 até a metade do século XIX, somente uma pequena parte de seu território era colonizado. A partir de 1847, o governo da província busca alternativas para transformar economicamente o Estado e inicia o processo de localização de imigrantes europeus em suas terras. Primeiramente chegaram alemães, prussianos, pomeranos e hanoverianos, que são situados na região de montanhas. Posteriormente chegam os imigrantes italianos, cuja leva é considerada a principal etnia imigrante (por sua quantidade) a ser introduzida no Estado. De 1847 a 1888 a maior parte dos imigrantes foi localizada ao centro e sul do Estado. Com a crise do café e a necessidade crescente de povoar a fronteira na vertente norte do vale do rio Doce tem início um processo intenso de migração interna para esse local. (...) Essa gama de etnias que forma a identidade capixaba e vai provocar o desenvolvimento do Estado".

"Até a primeira metade do século XIX, a província do Espírito Santo, povoada de forma esparsa e localizada, não detinha uma economia forte e dinâmica. Somente após esse período, com a expansão da lavoura cafeeira, o Estado iniciaria seu processo de transformação socioeconômica, que se daria de forma diferenciada nas regiões dos vales dos rios Itapemirim e Itabapoana, ao sul do Estado, na vertente sul do vale do rio Doce e na região central. (...) No princípio, o imigrante não tem como destino substituir o escravo nas grandes fazendas do sul, e, sim sua localização em pequenas colônias, cujo objetivo era produzir e buscar a autonomia financeira em pequenos lotes de terras. Somente mais tarde, com o fim da escravidão, os imigrantes seriam estabelecidos, em número considerável, nas fazendas. Como o Estado não possuía recursos para introduzir os imigrantes por sua conta, recebia apenas uma pequena parcela daqueles trazidos pelo Governo. A quantidade de imigrantes que ingressou nas terras capixabas, um total de 44.510, entre os anos de 1847 e 1900, segundo dados do Arquivo Público Estadual, foi pequena se comparada aos demais estados da Federação. Mesmo assim, a introdução do imigrante europeu deu-se de forma marcante. Rocha (2000) divide o processo imigratório espírito-santense em três fases: 1847 a 1881, 1882 a 1887, e, finalmente, 1888 a 1896. Entre os anos de 1847 e 1881 entraram no Espírito Santo 13.828 imigrantes, sendo o auge os anos de 1872 a 1879, quando chegaram 10.300. Somente entre os anos de 1888 e 1896 a entrada de imigrantes no Espírito Santo ganha nova expressão. Nessa fase chegam 21.497. Foi um período de crescimento da receita econômica do Estado, em função da elevação dos preços do café. 

[...] Os imigrantes italianos e seus descentes mantinham diversas formas de sociabilidade coletiva, como trabalho, religião, lazer e, se estruturavam tendo como suporte a família. Já os alemães eram naturais de regiões montanhosas e tinham o hábito de enfrentar atividades pesadas. Assentados inicialmente nas serras capixabas, eram constituídos por grupos da religião católica e luterana, falavam dialetos e participaram de brigas intensas provocadas pelos católicos, que não queriam permitir aos luteranos construir seus templos. [...] Os poloneses chegaram com o fim da I Guerra Mundial e foram instalados na região norte do Estado. Vinham com a família e, por meio de um contrato assinado entre a Sociedade de Colonização de Varsóvia e o Governo do Espírito Santo, instalavam-se em terras de vinte a trinta hectares. Trouxeram sua experiência de trabalhar em pequenas propriedades agrícolas. No Estado, contaram inicialmente com o abrigo e apoio dos índios botocudos, que os orientaram sobre as novas culturas agrícolas. [...] Os negros africanos, até o final do século XVIII, estavam localizados onde atualmente são os municípios de São Mateus e Conceição da Barra; na região central, nas cidades de Vitória, Serra, Santa Leopoldina, Vila Velha e Guarapari e, no sul, em Anchieta, Piúma, Itapemirim, Marataízes e Presidente Kennedy. Com a expansão da cultura do café houve uma concentração da população negra na região sul do Estado. Com o fim da escravidão a maior parte dos libertos recusou-se a continuar o trabalho nas fazendas. [...] O processo migratório instalado no país mostra que os residentes de outros estados vieram para o Espírito Santo atraídos pelas possibilidades de trabalho nas fazendas de café capixabas. Também os atraía a porcentagem de reservas de terras a serem exploradas. Dados do censo de 1940 demonstram que 14,4% do total da população capixaba, 106. 413 pessoas, eram nascidas em outros estados da Federação, sendo que dessa quantidade, 86,3% eram mineiros e fluminenses. [...] Entre os anos do início do século XX até 1960, a maioria vivia na área rural, plantando café e derrubando matas. A partir de 1960 há a grande debandada do campo para a cidade e a população do Espírito Santo inverte completamente o quadro proporcional existente até o momento. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que, até a década de 1990, cerca de 80% dos habitantes migraram para as zonas urbanas, permanecendo somente 20% no campo".
MARIA CRISTINA DADALTO|Narrativas de colonizadores do norte do Espírito Santo, 2006


VASCO FERNANDES COUTINHO,
PRIMEIRO DONATÁRIO 
DA CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO
"Vasco Fernandes Coutinho veio como fidalgo da Corte Portuguesa. Era ele um herói lusitano, senhor dos mares e bravo soldado do rei nas conquistas da África e da Ásia, pelo que recebeu o título de fidalguia com direito a brasão [...] e, merecedor de uma das 15 capitanias hereditárias nas terras do Brasil. A décima primeira foi a que lhe deu o Rei. D. João III, através do Foral, assinado em 1534. Vasco Coutinho, além de herói revelou-se competente navegador quando saiu de Lisboa com cerca de sessenta homens a bordo de sua caravela. Atravessou o grande oceano e aqui chegou sem ter formado frota. Poucos anos depois, praticamente só, com a mesma nau voltou ao reino em busca de ajuda ou a procura de um sócio disposto a compartilhar do projeto de conquista do solo da América.

Quis o destino escolhê-lo como viga mestra da complicada estratégia de colonização do Brasil, pois coube a ele trazer para o Novo Mundo cerca de sessenta homens para que aqui o ajudassem na colonização. [...] Esses eram na maioria vagabundos, ladrões e marginais que perambulavam nas ruas de Lisboa. [...] Podemos dizer que Vasco Coutinho foi um capitão que lutou enquanto pode, qual atlante que sustentou nos ombros sessenta vilões. [...] Por isso, em duas oportunidades, lançou-se ao mar e partiu em busca de ajuda ou de quem quisesse compartilhar seu projeto de colonização. Tudo tentou, mas não obtendo êxito, voltou só. Cansado, a idade avançada, a fadiga e a tensão constante curvaram o dorso desse gigante. Na trajetória de sua luta acabou sendo colhido por inesperado acontecimento causado por Sardinha, [...] conhecido como homem mau, rancoroso, que criou sérios embaraços ao trabalho da catequese adotado pelos jesuítas. Por infeliz coincidência, estando D. Pero Fernandes Sardinha a serviço do apostolado na capitania de Pernambuco onde, no domingo, celebrava missa, lá apareceu o Capitão do Espírito Santo, Vasco Coutinho, onde fora em busca de sugestões e ajuda do velho amigo desde as conquistas na África e na Ásia, o donatário Duarte Coelho e, como temente a Deus, não deixou escapar a oportunidade de buscar consolo na santa celebração. Ao ver entrar no templo o donatário do Espírito Santo cansado, alquebrado e visivelmente doente o imperdoável primaz o apontou como viciado por 'beber fumo' e por conviver com más companhias. Em razão disso, diante dos presentes excomungou-o e expulsou-o da igreja. O Capitão Vasco abaixou a cabeça e recebeu a ofensa quase morto de vergonha. Sentiu o golpe profundo daquele ato de desumanidade imposto por quem deveria ser generoso em exemplo de paciência e perdão entre os homens. Vasco não balbuciou uma só palavra, a surpresa da ofensa em público o feriu com golpe mortal qual lança que atinge o coração do guerreiro. Reuniu as forças que ainda lhe restavam, levantou-se e se retirou. Encerrou-se na sua prosperidade, a Fazenda da Costa em Vila Velha, onde sofreu até seus últimos dias. [...] Podemos dizer que o cotidiano de Vasco Fernandes Coutinho no solo do Espírito Santo constituiu-se numa das maiores epopeias vividas no tempo do Brasil Colonial. O episódio da sua excomunhão constituiu-se em absurdo [...]. Vasco Coutinho faleceu em 1561, privado de tudo que pretendeu realizar, ou seja, construir uma capitania cuja grandeza ajudasse a mostrar ao mundo a força do seu pequenino Portugal. A tradição de Vila Velha guarda numa pequenina rua o nome do primeiro donatário como uma débil reverência ao primeiro grande homem do Estado do Espírito Santo".
JAIR SANTOS | Estação Capixaba, 2011


ESPÍRITO SANTO, BRASIL

TERRA DE MAR E MONTANHA
"Espírito Santo, Brasil. O que é? Como é? O que tem de El-Dorado, de Shangri-lá, de Canaã? Falemos desse pequeno Estado do sudeste brasileiro. E falemos primeiro da terra, porque no princípio era a terra. Em linguagem de geógrafo se diria que o Espírito Santo é um território de 45.597 Km2 de superfície, situado nos trópicos entre 17º 55' e 21" e 21º 17' e 59" de latitude sul. Mas, em estilo de crônica, vejam: o Espírito Santo, no mapa, nada mais é do que uma faixa de terra espremida entre o vasto Estado de Minas Gerais e o profundo mar azul. Parece mesmo, por ironia ou simbolismo, um Portugal invertido, com Minas fazendo o papel de Espanha, enquanto o oceano é o mesmo, Atlântico lá como cá. A diferença está no sol, que aqui se ergue molhado de mar, e lá, é no leito do mar que se deita ao crepúsculo. É uma terra feita de mar e montanha, que o sol banha de muita luz a maior parte do ano. As praias se sucedem ao longo dos 400 quilômetros, alternando-se em estirões e enseadas. As montanhas realçam a beleza natural da região central. 

História do povo que nela habita: A história do Espírito Santo tem uma estrutura sinfônica, dividindo-se em três movimentos: vivace com brio, adagio e presto. O primeiro movimento abrange o século inicial da colonização portuguesa, quando se põem face a face, na terra luxuriosa, portugueses e índios, no confronto dos contrários. A fundação dos primeiros povoados, a criação de uma agricultura permanente, a exploração do território, a pregação do cristianismo pelos jesuítas, a escravização e o aldeamento dos indígenas, fazem estalar conflitos inevitáveis entre colonos e índios, marcando com violência os compassos dessa aventura. A introdução do africano para o trabalho das lavouras agrava e amplia o ritmo desses entrechoques. Vasco Fernandes Coutinho, o primeiro donatário, é o personagem principal desse período. Sua longa vida teve duas fases bem distintas: na primeira ele é o herói camoniano, o lusíada que desbrava os mares e conquista as Índias, na segunda, que é a aventura brasileira. Coutinho protagoniza uma tragédia shakespeariana de fracasso, miséria e morte. Tendo empenhado patrimônio e saúde na colonização, morreu quase ao desamparo depois de 25 anos de Brasil. A chegada dos portugueses à terra se deu em 23 de maio de 1535, Domingo do Espírito Santo - razão do nome. Espírito Santo também chamou-se a primeira vila, fundada no remanso de uma enseada, a Prainha. Quinze dias depois, o lugarejo passou a chamar-se Vila Velha, não porque tivesse envelhecido a olhos vistos, mas porque a administração da colônia foi mudada para local mais seguro, a ilha montanhosa no interior da baía. Desde então, a Vila Nova de Nossa Senhora da Vitória tornou-se a sede do governo do Espírito Santo. 

O segundo período é um adagio. Descobrira-se ouro no sertão, que foi logo desmembrado do território do Espírito Santo para constituir a capitania de Minas Gerais. Para proteger riquezas recém-descobertas, Portugal proibiu a abertura de caminhos naquela direção, sob pena de confisco e degredo para Angola. Mesmo parcos de bens, os habitantes do Espírito Santo não se arriscaram ao desterra, e até acharam na ameaça oficial um motivo a mais para ficar como estavam. Permaneceram aquietados no litoral, emendando o vazio dos dias com os pavores da noite, bastando-se das roças de milho, feijão e mandioca. O regalo das proteínas, em sua dieta diária, vinha dos peixes que colhiam ao mar e aos rios e que comiam do jeito que já se sabe, cozidos em panelas de barro, fortalecendo assim a tradição das moquecas. 

O século XIX vê brotar um outro Espírito Santo, no que seria o terceiro  movimento - presto - da sinfonia, uma sinfonia ainda inacabada. Esgotado o outro das Minas Gerais, foi estimulada a comunicação com aquela capitania pelo governo português. O sertão, antes impenetrável, passou a ser desbastado e o botocudo que nele habitava defendeu como pôde seu território. Nesse século começa também, em ondas crescentes, o avanço dos cafezais pelo sul da província, fincando raízes no chão antes recoberto de matas. Lavradores fluminenses e mineiros fundam fazendas no vale do rio Itapemirim e em terrenos vizinhos. Em pouco, um novo polo econômico centraliza-se na Vila de Cachoeiro de Itapemirim. A partir de meados do século foram criadas, nas serras centrais do Espírito Santo e nos vales dos rios que por entre elas correm, colônias com novos imigrantes europeus. São colonos da Europa Central, alemães - especialmente pomeranos - austríacos, suíços e holandeses. Mas o maior número vem do norte da Itália em fluxo que não para. Os imigrantes da Itália e da Europa Central deixaram sua marca na culinária, de que é exemplo a polenta da receita italiana, e na arquitetura de telhados inclinados. Com experiência milenar legaram a aptidão para o cultivo do solo, a prática de ofícios artesanais e mecânicos e o gosto pela música. Plantando e colhendo café juntamente com outros produtos agrícolas, os imigrantes e seus descendentes vão gradativamente incorporando novas áreas à agricultura, transpondo o rio Doce e desbravando as terras setentrionais, onde mineiros e baianos também se estabeleciam. Na metade do século XX, o território do Espírito Santo estava enfim conquistado. A população rural sobrepujava a urbana, mas a cidade de Vitória, capital do Estado, já pontificava como importante porto do litoral brasileiro.

Os índios contribuíram com palavras que batizaram lugares e enriqueceram a língua do povo. A expressão capixaba é uma delas. Significando em tupi pequena roça de milho, virou gentílico dos nascidos no Espírito Santo. Os índios transmitiram ainda técnicas tropicais de pescar e caçar, do fabrico da farinha de mandioca, da produção de panelas de barro usadas na culinária e na decoração. Os africanos entraram, de sua parte, com danças populares como as Bandas de Congo e o Ticumbi, de indumentária vistosa e coreografia guerreira. Deles veio a devoção à São Benedito, o requinte no preparo das comidas à base de farinha de mandioca, da torta de marisco da Semana Santa e da gostosa moqueca capixaba, feita com o africano capricho de temperos e azeites. Os portugueses trouxeram a língua, a organização administrativa, a arquitetura colonial e a fé católica, cujo monumento máximo é o Convento da Penha, na entrada da baía de Vitória, o mais notável templo seiscentista da costa do Brasil. Fundado pelo franciscano frei Pedro Palácios, o convento tornou-se sede do culto a Nossa Senhora da Penha, padroeira do Espírito Santo". 
LUIZ GUILHERME SANTOS NEVES | RENATO PACHECO | REINALDO SANTOS NEVES
Estação Capixaba