Powered By Blogger

A VITÓRIA QUE MORA EM MIM

QUAL A CIDADE QUE VIVE DENTRO DE VOCÊ?
O QUE DE VOCÊ VIVE DENTRO DELA?











VITÓRIA
ILHA DO MEL | CIDADE-PRESÉPIO
Em múltiplos olhares e apropriações, as cidades se configuram para além do óbvio e trazem à tona as camadas de nossa existência. Seja no ir e vir de suas ruas, seja na relação afetiva que criamos, os espaços vivem e pulsam. Para a jornalista Xenya Bucchioni, "a cidade que salta aos olhos é feita de fluxos, de pessoas, carros, sons e ruídos. À noite, quando se aquieta, sente profundamente a falta do verde e de tudo aquilo que poderia ter sido e não foi. Cidade é ser em trânsito. Organismo vivo em gestão contínua, que evolui através dos tempos pela ação cotidiana dos homens. Até mesmo quando teimamos em ignorá-la, ela espreita. E, ao menor sinal de descuido, nos lança ao acaso, à deriva, ao encontro dos rastros e vestígios que levarão a outros sentidos possíveis para a descoberta inevitável: a de sua existência. Nem mesmo o traçado mais preciso está imune a revisões: vestígios e traços; arranhões da existência a nos lembrar de que estamos por aqui de passagem".

OLHARES E NARRATIVAS
A beleza também depende do exercício do olhar.
Uma proposta de diálogo entre a cidade de Vitória e seus habitantes.

A VITÓRIA QUE MORA EM MIM
POR ROBERTO PASSOS DO AMARAL PEREIRA
Aqui, estou menino, em Vitória da minha infância  na década de 60. Na Cidade-Presépio e Cidade Sol, tão bem festejada e cantada nos lindos versos do compositor Pedro Caetano.

"Cidade sol, com o céu sempre azul
Tu és um sonho de luz norte a sul
Meu coração te namora e te quer
Tu és Vitória um sorriso de mulher
Do Espírito Santo, és a devoção
Mas para os olhos do mundo, és uma tentação
Milhões te adoram, e sem favor algum
Entre os milhões, eis aqui mais um".

Suas ruas com poucos movimentos de carros. Os ambulantes diariamente batem à porta das casas, oferecendo vários tipos de serviços, como verduras, frutas, peixes, Enciclopédia Barsa, o livro O Tesouro da Juventude, revistas novas e usadas, consertos de máquinas de costuras e geladeiras. O homem do lixo passa diariamente, carregando uma grande lata nas costas. A vida é preguiçosa e serena. Ninguém tem pressa.

Sou criança, de olhos arregalados, admirado com os bondes, no final da Rua Sete, no centro de Vitória. Vejo-me correndo atrás de uma bola, empinando pipas, rodando pião e jogando botão de mesa. Sinto-me molhado, pelos banhos de chuva, para desespero da minha mãe e avó. Quando o sol volta, jogo ferrinho com o irmão, os primos e amigos e faço bonecos de terra. Televisão é artigo de luxo. Em preto e branco e com apenas dois ou três canais. Inicia a programação no final das tardes. Quando a imagem fica ruim, coloca-se pedaço de bombril na ponta da antena. Aos sábados, vou com meus pais "fazer o mercado", na Vila Rubim. Compramos a galinha viva. Nas manhãs de domingo, minha mãe mata a galinha, com um corte certeiro na garganta. Minha mãe evita que os filhos assistam tal cena. Mas nem sempre consegue. Tão certo quanto a sua mão firme, é a presença da macarronada e salada com maionese na mesa do almoço e, do meu pai em uma das cabeceiras da mesa. 

Também me sinto nas aulas de violão com Maurício de Oliveira, violonista e professor de várias gerações, num edifício perto da Praça Costa Pereira. Nas festas juninas, a fogueira fica no meio da rua. Meu avô assa batata doce e meu pai solta balão japonês. Dançamos quadrilha e pulamos a fogueira. A vizinhança toda se conhece. Há liberdade para permanecer nas ruas, sem risco de violência, assaltos e assassinatos. É natural e comum a conversa entre vizinhos nas calçadas. A vida corre mansa e faceira. É possível chegar de barco do centro da cidade a Paul, em Vila Velha, com os catraieiros, como são chamados os homens que conduzem os barcos. Doce travessia em que é possível vislumbrar o Penedo e todo o encanto da Baía de Vitória.

Nas manhãs da minha adolescência, nas quartas-feiras de cinzas, assisto a saída do bloco "O Que Eu Vou Dizer Em Casa", formado pelos carnavalescos que se excederam e foram presos, na delegacia de polícia, localizada numa esquina da Rua Graciano Neves, em frente à ladeira onde fica a Faculdade de Odontologia, no centro da cidade. Na década de 70, nas tardes de domingo, sou um jovem nas "Domingueiras" (baile), no Álvares Cabral, perto da Praça Costa Pereira, ou nos bailes da Faculdade de Odontologia, localizada no centro de Vitória. As grandes lojas e o comércio em geral ficam localizadas no centro de Vitória. Entre elas, a loja Mesbla, onde é comum o encontro de amigos, e da paquera, na praça de alimentação. Há mais de sete cinemas no centro da cidade. Alguns caracterizados por passar um certo gênero de filmes. Em Vitória existem poucas escolas particulares e algumas públicas. As famílias tradicionais moram no centro.

Esses momentos permanecem vivos dentro de mim. Hoje, sou um homem de meia-idade, mas a cidade de Vitória mora bem forte no ser criança e adolescente de minha alma. 
Parabéns Vitória pelos seus 462 anos! 

ROBERTO PASSOS DO AMARAL PEREIRA é natural de Vitória. Médico e poeta. Parte de seu trabalho literário, especialmente prosas, crônicas resenhas e poesias, pode ser conferido no blog http://dosesdeprosaseversos.blogspot.com.br/



PEDRA DA CEBOLA
POR FÁBIO LUIZ DE OLIVEIRA BARROS
A mudança foi quase que radical: o apartamento onde morávamos na Vila Rubim não era nosso e, já que tínhamos recebido a resposta do fim das reformas do apartamento que compramos, a transferência era inevitável. O ano era de 1975, iríamos agora para o distante bairro de Jardim da Penha; distante não só pela sua posição, mas também em função do difícil acesso: era angustiante esperar o "Penedo" por longas horas e, mais sofrível ainda dividi-lo com as dezenas de pessoas que também o esperavam.

A princípio tudo me fascinou: o bairro era próximo à praia, tinha uma floresta imensa ao lado do meu prédio e, mais ainda, a companhia de outras crianças para dividir aquilo tudo comigo, pois, até então, as únicas oportunidades que eu tinha para brincar eram no Parque Infantil Ernestina Pessoa ou no Parque Moscoso nos finais de semana, já que era impossível e perigoso brincar nas ruas da Vila Rubim em função do tráfego de ônibus que por ali passavam. Não tardou para que eu descobrisse as trilhas no meio do mato com os amigos que acabara de fazer. Minha mãe ia à loucura quando me via sumir de suas vistas e reaparecer horas depois todo cortado de colonhão e sujo até a alma. Foi exatamente numa dessas fugas que pude apreciar pela primeira vez, por entre o matagal que me cobria, dada a minha idade, a imponência e estranha beleza daquela pedra, caprichosamente esculpida pela natureza em forma de cebola, em cima de um pequeno pedestal rochoso, revelando a perfeição da Mão Divina. A densa mata que a cercava passou a servir de refúgio secreto e lugar das mais deliciosas brincadeiras da minha infância. Perto dali existiam duas enormes lagoas que, anos mais tarde, seriam aterradas para a construção do Parque Residencial Universitário, P.R.U. A desculpa para o aterro era a existência de esquistossomose em suas águas, fato de que discordo até hoje, pois vivia dentro da lagoa. Aliás era ali de dentro, observando a mata a meu redor, que criava várias estripulias. Uma delas reunia todas as crianças do bairro num conflito fictício por entre o mato daquele morro, e uma coisa que tínhamos de vantagem: a nossa turma conhecia todos os caminhos que existiam por ali, e isso nos proporcionou muitas risadas, já que assistíamos dos nossos "pontos de observação", nossos rivais caindo em nossas armadilhas feitas com urtiga. Aquilo era fascinante e pairava na minha cabeça a ideia de fazermos da Pedra da Cebola o nosso "quartel-general" e convocarmos todas as turmas para uma disputa territorial. Com isso, passávamos o dia inteiro correndo por entre a pedreira que outrora existiu naquele local e, volta e meio, nos escondendo nas grutas que tinham por ali. Essas brincadeiras duraram vários anos e, quando já éramos todos amigos, íamos brincar de "polícia e ladrão" nos mesmos moldes de nossas antigas "brigas". A pedra assistia a tudo e nós retribuíamos a sua atenção ao final da tarde, quando subíamos todos para apreciar o sobe-e-desce dos aviões, que passavam tão perto de nossas cabeças. Quando não fazíamos isso, descíamos até o pé da pedreira no local chamado de "Cemitério de Vidros", de onde arremessávamos os pedaços em direção ao paredão e ficávamos curtindo quando explodiam em mil pedaços. 

Ah, quanto por-do-sol assisti sentado ali naquela pedra junto com os amigos, para depois sair correndo para casa antes que nossas mães ficassem a nossa procura. Tenho saudade de tudo que ali vivi e, recentemente, quando retornei ao local, não aguentei e chorei: no antigo vale do "Cemitério dos Vidros" veem-se as casas por toda a parte, senti falta das corujas que lá habitavam. No lado sul do morro erguem-se edifícios e coloca fim ao que restou do nosso "quartel-general", e a Pedra, resistindo heroicamente ao avanço do progresso, continua ali, assistindo a tudo. Provavelmente sente falta de nossas risadas e gritos, provavelmente como eu, chora a falta das corujas; mas está lá, como representante de um tempo não muito longe, e que poe ter marcado diversas vidas, vive hoje na memória de todos que, com certeza, esperam que ela permaneça ali para toda a eternidade.

FÁBIO LUIZ DE OLIVEIRA BARROS é natural de Vitória e Graduado em Turismo.



VITÓRIA | 462 ANOS
POR JOSÉ LUIZ GOBBI
Vitória tem séculos de história e tem, minha história também! Nasci na Rua Sete de Setembro, cresci pelas escadarias, vias e morros do Centro, andei e trabalhei pelo mundo e voltei para esta cidade, que é berço de minha alma e engenharia de minhas emoções. A Vitória de hoje é muito diferente da Vitória que vivi. Prédios, gente correndo, carros, ônibus, fumaça, buzinas e barulho durante os dias de semana. Mas, de noite e no final de semana, Vitória se aquieta e, como uma poesia, enche a alma da gente. Shows no Teatro Carlos Gomes e pelas ruas, a alegria nos bares da Rua 7, o Samba da Xepa, a quietude secular do Parque Moscoso (inaugurado em 1912) e no encontro de pessoas que moram por aqui. 

Vitória, hoje, adormece diante do crescimento ganancioso de nossos bairros e, como uma mãe carinhosa, embala minhas memórias, aviva minhas saudades e fortalece a esperança de que o futuro, que sempre chega, vai deixá-la ainda mais prazerosa, mais humana e, o sentimento de que não sou eu que vivo em Vitória, mas é Vitória que vive dentro de mim! Por isso tudo, Vitória é um luxo de minha vida

O capixaba JOSÉ LUIZ GOBBI é ator, diretor, produtor teatral e consultor e palestrante nas áreas de comunicação, desenvolvimento pessoal e oratória.